sexta-feira, 4 de setembro de 2009

FELICIDADE CLANDESTINA




A literatura brasileira é repleta de grandes autores que conseguem expressar - segundo seu estilo -, a cultura, o perfil e as vivências de nossa terra. Em especial, quero trazer aos meus leitores, algumas pontuações minhas quanto ao livro FELICIDADE CLANDESTINA (1998) -contos - da escritora Clarice Lispector.


Fiquei realmente encantado com o primeiro conto, que leva o título do livro; a autora recorda de sua infância em Recife e traz-nos a história de duas meninas, uma que é filha de um dono de livraria (e que não aproveita a oportunidadede sê-la) e a outra que adora ler livros. A segunda, sempre pedia emprestado livros da primeira, porém um livro era de grande interesse tratava-se de um livro grosso chamado As reinações de Narizinho de Monteiro Lobato. A menina sempre dizia que havia emprestado esse livro para alguém e a narradora conta que cada vez que iria buscá-lo, sua colega dava-lhe uma desculpa. Porém, o que mais chamou-me a atenção foram as palavras da autora para descrever a felicidade de si mesma, vejamos: "Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam..." (p. 10, 1998).
Quando finalmente esta consegue o livro, pois a filha do dono da livraria armara um plano diabólico para enganar a autora - foi descoberto e desfeito pela mãe da mesma menina má - ela descreve: "...segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito [...] Chegando em casa , não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim... [...] Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante (p.12, 1998).


Eu fiquei vislumbrado com tais palavras e com a facilidade de associação do livro que a menina não podia ter em função da sua condição financeira, mas pela certeza de que o livro trazia-lhe felicidade, mesmo que clandestinamente por não ser seu. O amor pelo mesmo, a busca para tê-lo mostram para nós o preço que às vezes temos que pagar pela tal felicidade e as pedras no caminho que surgem para acançá-la!! Porém, que sejamos perseverantes como a menina, que ia todos os dias para ver se a "felicidade" lá estava; conseguiu tê-la e, mais do que isso, degustou cada momento em sua posse, mesmo sabendo que a clandestinidade lhe tiraria algum dia. Penso ser a felicidade semelhante ao livro que emprestamos....regada de momentos prazerosos e perfeitos, sem necessariamente atentarmos para o dia em que irá embora ou será levado!!






Fonte: LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina: contos. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.



Aurivar Fernande Filho.

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