sábado, 15 de agosto de 2009

CECÍLIA MEIRELES


Tenho a oportunidade de trazer à tona, considerações sobre a literatura brasileira e com isso, destacar alguns autores ao qual admiro e prezo, por sua capacidade de criação e sensibilidade. Assim, trago ao olhos do meu leitor, um pouco da história e a poesia de Cecília Meireles.

A poetisa nasceu 07/11/1901 e faleceu em 09/11/1964 na cidade do Rio de Janeiro, casou duas vezes e teve três filhas. Iniciou a escrever poesia aos 9 anos de idade e aos 16 anos, tornou-se professora pública, como aluna exemplar. Sua carreira literária inicia após dois anos com a publicação de sonetos simbolistas - Espectro (1919) -; escreveu vários sonetos, livros infantis e em 1939 recebe o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras com a publicação de Viagem (mesmo ano).
Em suas próprias palavras, podemos verificar e também descobrir (acredito), a fonte de sua sensibilidade ao falar-nos de poesias com simplicidade e intensidade sobre temas como: vida, solidão, saudade, despedidas, eterno, efêmero, etc.:


"Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno.(...) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade.(...) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano."


Desse modo, trago algumas de suas poesias que me comoveram e mostraram-me que a vida pode nos mostrar outros olhares e muitas oportunidades de aprender, conviver e crescer com as dificuldades e experiências da vida. Boa leitura e aprendizado com quem aprendeu desde cedo com a solidão e o silêncio!!


Tu Tens um Medo


Acabar.Não vês que acabas todo o dia.Que morres no amor.Na tristeza.Na dúvida.No desejo.Que te renovas todo dia.No amor.Na tristezaNa dúvida.No desejo.Que és sempre outro.Que és sempre o mesmo.Que morrerás por idades imensas.Até não teres medo de morrer.E então serás eterno.Não ames como os homens amam.Não ames com amor.Ama sem amor.Ama sem querer.Ama sem sentir.Ama como se fosses outro.Como se fosses amar.Sem esperar.Tão separado do que ama, em ti,Que não te inquieteSe o amor leva à felicidade,Se leva à morte,Se leva a algum destino.Se te leva.E se vai, ele mesmo...Não faças de tiUm sonho a realizar.Vai.Sem caminho marcado.Tu és o de todos os caminhos.Sê apenas uma presença.Invisível presença silenciosa.Todas as coisas esperam a luz,Sem dizerem que a esperam.Sem saberem que existe.Todas as coisas esperarão por ti,Sem te falarem.Sem lhes falares.Sê o que renunciaAltamente:Sem tristeza da tua renúncia!Sem orgulho da tua renúncia!Abre as tuas mãos sobre o infinito.E não deixes ficar de tiNem esse último gesto!O que tu viste amargo,Doloroso,Difícil,O que tu viste inútilFoi o que viram os teus olhosHumanos,Esquecidos...Enganados...No momento da tua renúnciaEstende sobre a vidaOs teus olhosE tu verás o que vias:Mas tu verás melhor...... E tudo que era efêmerose desfez. E ficaste só tu, que é eterno.




Noções


Entre mim e mim, há vastidões bastantespara a navegação dos meus desejos afligidos.Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a. Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,e este abandono para além da felicidade e da beleza. Ó meu Deus, isto é minha alma:qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera...



A arte de ser feliz



Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma regra: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz. Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crinças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refelectidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes um galo canta. Às vezes um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.


Cecília Meireles

Nenhum comentário:

Postar um comentário